Associações brasileiras integram práticas agroecológicas e saberes tradicionais na produção de cannabis medicinal, promovendo saúde e desenvolvimento rural sustentável
A produção de óleo artesanal de cannabis medicinal no Brasil tem se fortalecido por meio de associações que adotam práticas típicas da agricultura familiar. Essa convergência de saberes técnicos e populares não apenas oferece uma alternativa terapêutica acessível para pacientes de diferentes regiões do país, como também impulsiona o desenvolvimento sustentável em territórios rurais.
Associações como a Flor da Vida (SP), o CEBRAPCAM (PB) e a BrisaLuz AFA (CE), vêm estruturando modelos de cultivo e extração artesanal baseados em princípios agroecológicos, organizando o trabalho comunitário com foco no uso terapêutico da cannabis medicinal sob prescrição médica.
A 5ª Feira Nacional da Reforma Agrária, realizada recentemente em São Paulo, evidenciou a força desse movimento ao reunir coletivos e associações que atuam com foco na saúde e na soberania popular.
“Nós acreditamos que é possível produzir saúde com base no que é local, natural e respeitoso. A cannabis medicinal é parte disso, quando está enraizada em práticas justas e sustentáveis”, afirmou Larissa Brito, do CEBRAPCAM, durante o evento.
Agricultura familiar: muito além da produção bruta
No Brasil, a agricultura familiar representa cerca de 77% dos estabelecimentos agropecuários, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Embora responda por aproximadamente 23% a 27% do valor bruto da produção agropecuária, esse número não reflete sua importância real no abastecimento alimentar interno.
Dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Secretaria de Agricultura Familiar mostram que os pequenos produtores são responsáveis por:
- 70% do feijão consumido no país,
- 87% da mandioca,
- 59% do leite,
- 50% das aves,
- e grande parte dos hortifrutigranjeiros comercializados localmente.
Isso acontece porque, enquanto o agronegócio concentra sua produção em commodities destinadas à exportação (como soja, milho e carne), a agricultura familiar abastece a mesa do brasileiro. E é justamente esse modelo de produção — voltado ao consumo interno, de base comunitária, sensível ao meio ambiente — que inspira também a forma como diversas associações vêm organizando o cultivo da cannabis medicinal.
O elo entre território, cuidado e autonomia
O cultivo artesanal da cannabis medicinal realizado por associações brasileiras não segue os modelos industriais ou farmacêuticos tradicionais. Em vez disso, incorpora práticas como:
- Rotação de culturas,
- Aproveitamento de resíduos orgânicos,
- Planejamento com base nos ciclos da lua,
- Respeito ao tempo natural de cada planta.
Esse modelo não apenas favorece a qualidade do extrato produzido, como também promove autonomia comunitária, geração de renda local e articulação entre saúde e território.
“Cuidar da terra é cuidar das pessoas. Essa lógica é a mesma quando estamos falando de plantar para comer ou para produzir um extrato terapêutico”, afirma Paula Moraes, da associação Flor da Vida, que hoje atende mais de 15 mil pessoas com prescrição para uso de cannabis medicinal.
Na região do Ceará, a BrisaLuz AFA vem adotando esse mesmo princípio em sua estruturação local, com foco na produção artesanal, rastreável e voltada exclusivamente para associados sob acompanhamento médico. A proposta é integrar cultivo, extração e cuidado dentro de uma lógica associativa baseada em território, afeto e soberania.
Perspectivas para um novo paradigma
Enquanto o Brasil discute a ampliação do marco regulatório da cannabis medicinal, experiências como essas demonstram que é possível integrar produção artesanal, ciência, agroecologia e acesso popular ao cuidado.
O modelo associativo, enraizado na agricultura familiar, representa uma alternativa concreta e viável à centralização industrial. Ele fortalece redes locais, respeita a biodiversidade e, sobretudo, coloca a vida e a dignidade no centro do processo.
Fontes e Referências
- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Agropecuário 2017.
- Ministério do Desenvolvimento Agrário – Secretaria de Agricultura Familiar. Relatórios técnicos.
- MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. “Associações de Cannabis Medicinal demarcam importância do uso medicinal da planta”.https://mst.org.br/2025/05/21/associacoes-de-cannabis-medicinal-demarcam-importancia-do-uso-medicinal-da-planta/
- CannabisMedicinal.com.br. “Governo apresenta plano para regulamentar cannabis medicinal no Brasil até setembro de 2025”.https://cannabismedicinal.com.br/governo-apresenta-plano-para-regulamentar-cannabis-medicinal-no-brasil-ate-setembro-de-2025/
– IBGE – Censo Agropecuário 2017
– MAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
– Fiocruz (2022): Cannabis medicinal e saúde pública
– Projeto de Lei nº 399/2015
– Relatórios da CONAB sobre agricultura familiar (2024)
– Observatório Brasileiro de Cannabis Medicinal (OBCanMed)