Cannabis Medicinal: “Óleo legal” pra quem?

BRISANEWS – Matéria Especial: Regulamentação

A controvérsia entre qualidade, preço e criminalização silenciosa no Brasil

No Brasil de 2025, milhares de famílias seguem enfrentando uma escolha injusta: pagar caro por um produto industrializado ou lutar na Justiça para garantir acesso a um tratamento que já demonstrou eficácia. Essa encruzilhada não é técnica nem sanitária — é política.

Embora o uso medicinal da cannabis esteja regulamentado em algumas frentes, a legalidade plena permanece seletiva, limitada a quem pode pagar ou se enquadrar nos trâmites de importação. Enquanto isso, associações civis e produtores artesanais, que oferecem rastreabilidade, acolhimento e controle direto de qualidade, continuam sendo tratados com desconfiança institucional — mesmo quando amparados por decisões judiciais.

A falsa neutralidade do discurso técnico

O termo “óleo legal” passou a circular com força em campanhas pagas e discursos públicos. Vendido como sinônimo de segurança, o conceito vem sendo usado para deslegitimar alternativas de acesso artesanal — muitas vezes com maior rastreabilidade e contato humano do que os produtos importados ou de prateleira.

Ao empregar essa expressão, parte da indústria farmacêutica se apropria de um conceito jurídico para fins de marketing, induzindo pacientes e profissionais a acreditar que qualquer produto fora de seus rótulos seria automaticamente ilegal ou perigoso. O efeito é duplo: reforça a concentração do mercado e criminaliza quem não se submete a ele.

A legalidade ainda é parcial

Atualmente, existem três principais caminhos legais para acessar o óleo de cannabis no Brasil:

  • Importação com autorização da Anvisa, via RDC 660, mediante prescrição médica e comprovação de necessidade;
  • Compra em farmácias de produtos autorizados pela RDC 327, com valores elevados e oferta limitada;
  • Produção artesanal com respaldo judicial, exercida por famílias ou associações com base em decisões específicas.

O terceiro modelo, embora legalizado judicialmente, é o mais vulnerável à criminalização seletiva, à desinformação e às ações arbitrárias.

O mito da superioridade industrial

O discurso hegemônico sugere que só produtos farmacêuticos importados ou de farmácia oferecem “segurança”. No entanto, análises comparativas mostram que muitos óleos artesanais apresentam:

  • Perfil fitoquímico conhecido e documentado;
  • Extração segura com controle de temperatura e diluição padronizada;
  • Histórico individualizado de cada paciente;
  • Preço acessível, com variação de acordo com o CID e a dosagem.

O modelo artesanal favorece a adaptação do tratamento ao paciente e oferece um canal direto com o produtor — algo impossível nas relações anônimas do mercado industrial.

Três modelos, três realidades

Modelo Status Legal Custo médio mensal Personalização Rastreabilidade
Importado (RDC 660) Autorização individual da Anvisa R$ 2.500 a R$ 3.500 Nenhuma Baixa
Industrial (RDC 327) Autorizado para venda em farmácias R$ 600 a R$ 2.500 Baixa Parcial
Artesanal judicializado Legal por decisão judicial R$ 250 a R$ 800 Alta Alta

A quem interessa apagar a produção artesanal?

O modelo artesanal judicializado não apenas democratiza o acesso — ele representa uma ameaça real ao monopólio da indústria farmacêutica. Por isso, campanhas que parecem técnicas, mas escondem interesses comerciais, têm investido em repetir frases de efeito que desinformam mais do que orientam.

Enquanto isso, a ausência de uma política pública clara para associações abre espaço para perseguições e insegurança jurídica. Famílias com laudos médicos, receitas válidas e documentos judiciais seguem sendo tratadas como criminosas, em ações que desconsideram o impacto direto na saúde dos pacientes atendidos.

Caminhos possíveis: equidade e regulação

O Brasil precisa superar a ideia de que segurança só existe sob rótulo farmacêutico. Há experiências nacionais e internacionais que mostram ser possível aliar controle sanitário com inclusão social, valorizando o pequeno produtor, a agricultura familiar e as formas alternativas de cuidado.

A regulamentação plena da cannabis medicinal exige que o Estado reconheça todos os atores legítimos envolvidos: médicos, pacientes, pesquisadores, e também as associações e famílias que sustentam o acesso onde o mercado não chega.

Referências e fontes

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