O Equilíbrio no Óleo de Cannabis: Entre a Genética e a Arte do Blend Artesanal

Por Jayme Amatnecks

Resumo

Este ensaio analisa o conceito de “equilíbrio” no óleo de cannabis artesanal, especialmente na busca pela proporção 1:1 entre THC e CBD, explorando as relações entre cultivo, extração, regulação e resposta do sistema endocanabinoide humano. Argumenta-se que a legislação brasileira atual, ao restringir a presença do THC em concentrações fixas, não compreende o funcionamento sinérgico da planta como um todo. O texto defende a valorização de extratos integrais, proporções terapêuticas e o reconhecimento das práticas artesanais como forma de cuidado em saúde.

Palavras-chave: Cannabis medicinal, óleo artesanal, proporção 1:1, sistema endocanabinoide, efeito entourage, regulação.

1. Introdução

Nos bastidores da produção artesanal de óleo de cannabis medicinal, uma das perguntas mais recorrentes é: como se alcança o “equilíbrio” ideal entre os canabinoides, especialmente o CBD (canabidiol) e o THC (tetrahidrocanabinol)? Mais do que uma questão técnica, essa busca revela uma discussão profunda sobre como concebemos a saúde, a planta e a relação entre saberes tradicionais e regulações modernas. Na BrisaLuz, o processo é uma mistura de ciência botânica, observação ancestral e uma busca constante por harmonia entre natureza, planta e pessoa.

2. Sistema Endocanabinoide e Equilíbrio Funcional

O sistema endocanabinoide (SEC) é uma rede de sinalização bioquímica complexa e distribuída por todo o corpo humano, responsável por manter a homeostase — o equilíbrio interno dinâmico de funções fisiológicas. Descoberto na década de 1990, o SEC é composto por três elementos principais: os receptores canabinoides (CB1 e CB2), os ligantes endógenos (como a anandamida e o 2-AG) e as enzimas responsáveis por sua síntese e degradação (FAAH, MAGL, entre outras).

3. O Limite da Genética e o Cultivo como Harmonia

A busca por uma planta naturalmente equilibrada, com teores iguais ou próximos de THC e CBD, é um desafio técnico e agronômico. Mesmo entre genéticas estáveis, como Harlequin, Pennywise e Cannatonic, a variabilidade fenotípica pode fazer com que plantas irmãs expressem perfis químicos distintos. Essa diversidade é afetada por fatores como solo, umidade, iluminação, fotoperíodo, vento, microbiota do ambiente e intenção do manejo. Na BrisaLuz, adotamos o conceito de Harmonia de Cultivo, inspirado no terroir da viticultura, mas expandido para incluir o cuidado humano, a escuta do ciclo lunar e o respeito à biodiversidade local como elementos ativos na expressão química da planta.

4. O Blend como Técnica de Precisão e Escuta

Diante da variabilidade natural das plantas e da impossibilidade de padronização absoluta na origem, surge o blend como resposta. Ao misturar extratos de lotes com perfis distintos, é possível alcançar uma formulação final equilibrada. O blend artesanal exige precisão técnica — balança de alta sensibilidade, cálculo de proporções, diluição homogênea — e também sensibilidade clínica. Escutamos os relatos dos associados, observamos efeitos e ajustamos o lote seguinte de acordo com a resposta individual. Essa prática, registrada em fichas e relatórios internos, mostra que os óleos equilibrados em 1:1 são mais bem tolerados e eficazes em quadros neurológicos sensíveis, como no autismo infantil, do que formulações isoladas.

5. A Regulação Brasileira e o Erro da Quantificação Bruta

A legislação brasileira, ao impor limites fixos de THC (como os 0,2% da RDC 327/2019 da Anvisa), aplica a lógica do medicamento isolado ao universo dos extratos integrais. Esse modelo não contempla a complexidade do efeito entourage nem a diversidade dos perfis terapêuticos possíveis. Ao definir a legalidade de um óleo pelo teor absoluto de THC, a norma ignora a proporção funcional entre os compostos. Essa desconexão entre a regulação e a ciência da cannabis terapêutica gera barreiras artificiais ao cuidado, favorece o monopólio farmacêutico e marginaliza iniciativas artesanais de base comunitária como a da BrisaLuz.

6. O 1:1 como Caminho Político, Terapêutico e Filosófico

Escolher produzir um óleo 1:1 é também uma escolha ética e política. Significa aceitar o THC como parte da cura, e não como um vilão. Significa olhar para o paciente não como alvo de um protocolo farmacêutico, mas como sujeito de um cuidado integral, que envolve corpo, mente, contexto e vínculo. A proporção 1:1 simboliza esse equilíbrio. Na prática, ele resulta em menos crises, menos efeitos colaterais, mais adesão ao tratamento. No plano simbólico, ele representa a reconciliação entre dois canabinoides que o discurso proibicionista tentou separar. E no plano político, é um desafio à lógica da exclusão e da medicalização unidimensional.

7. Considerações Finais

O equilíbrio no óleo de cannabis não se mede apenas em números, mas em respostas. É uma relação viva entre o saber da planta, a escuta do corpo e o gesto de quem formula. Na BrisaLuz, não fabricamos óleo. Nós cuidamos de histórias. E essas histórias nos ensinaram que, para muitas pessoas, o óleo 1:1 é o que há de mais próximo de uma harmonia possível.

Fontes e Referências

  • BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC nº 327, de 9 de dezembro de 2019.
  • DI MARZO, V. Endocannabinoid signaling in the brain: biosynthetic mechanisms. Nature Reviews Neuroscience, 2009.
  • MECHOULAM, R. Cannabis as Therapeutic Agent. CRC Press, 2013.
  • PERTWEE, R. G. The pharmacology of cannabinoid receptors. Pharmacology & Therapeutics, 2006.
  • RUSSO, E. B. Taming THC. British Journal of Pharmacology, 2011.
  • ZANELLA, G. L. Sistema Endocanabinoide e suas implicações clínicas. Revista Brasileira de Medicina, 2020.

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