Cannabis Medicinal: O que o Brasil pode aprender com os vizinhos latino-americanos?

BRISANEWS – Justiça & Cidadania

Entre o controle estatal e a liberdade comunitária, países da América Latina mostram que é possível pensar a regulação da cannabis medicinal por outros caminhos — com inclusão, justiça social e soberania popular.

Uma encruzilhada regulatória

Enquanto o Brasil ainda caminha sob forte influência da indústria farmacêutica e do agronegócio, países vizinhos mostram que é possível integrar o cultivo de cannabis medicinal às políticas públicas de saúde com protagonismo social. Modelos distintos, já implementados em nações como Uruguai, Colômbia e Argentina, reforçam a importância de um olhar regional, mais sensível às realidades locais e às formas comunitárias de cuidado.

Uruguai: Estado à frente, clubes regulamentados

O Uruguai foi o primeiro país do mundo a legalizar integralmente a cannabis, em 2013. O modelo adotado é estatal: o cultivo, distribuição e venda são controlados pelo governo. Ainda assim, há espaço para clubes canábicos e cultivo doméstico com registro oficial. A regulamentação reduziu significativamente os índices de criminalização relacionados à planta, embora existam críticas quanto à rigidez da cadeia estatal e ao alcance limitado da oferta medicinal.

Colômbia: Licenças judiciais e reconhecimento associativo

A Colômbia avançou ao permitir que coletivos e associações solicitassem autorizações para o cultivo e extração de derivados medicinais. Associações de pacientes e familiares conseguiram garantir judicialmente o direito ao cultivo — uma experiência próxima da realidade brasileira, onde a via judicial tem sido, até agora, o principal caminho de proteção contra a criminalização. O país ainda enfrenta conflitos regionais entre políticas públicas e repressão, mas avançou no reconhecimento legal de cultivos associativos.

Argentina: Política de saúde pública e redes de cuidado

Na Argentina, a cannabis medicinal é regulamentada como parte do sistema de saúde. A Lei 27.350 prevê o acesso gratuito ao óleo de cannabis por meio de hospitais públicos em algumas províncias. Além disso, há previsão legal para o cultivo individual e coletivo, com associações autorizadas a produzir e distribuir derivados medicinais para seus membros. O reconhecimento institucional dos coletivos representou um passo importante na construção de redes de apoio descentralizadas e seguras.

Brasil: Avanços tímidos, entraves estruturais

No Brasil, a regulamentação avança sob forte judicialização. O acesso é possível apenas mediante autorizações individuais da Anvisa, o que encarece e burocratiza o processo. As associações seguem sendo criminalizadas — ou, na melhor das hipóteses, ignoradas — apesar de prestarem serviço essencial a milhares de famílias que dependem do óleo artesanal.

Em resposta à pressão social e à cobrança do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o governo federal instalou um grupo de trabalho para apresentar uma proposta de regulamentação até setembro de 2025. O GT foi criado após provocação do STJ em 2024, que exigiu uma resposta concreta do Executivo sobre a ausência de critérios objetivos para o cultivo medicinal da cannabis.

Contudo, até o momento, a proposta em elaboração tem priorizado grandes laboratórios, investidores do agronegócio e farmacêuticas. Associações, pequenos produtores e agricultores familiares — responsáveis por uma parte significativa da oferta real de derivados de cannabis no país — permanecem à margem da política pública em construção.

O elo com a agricultura familiar

Segundo dados do Censo Agropecuário do IBGE, 77% dos estabelecimentos rurais brasileiros pertencem à agricultura familiar, que responde por cerca de 70% dos alimentos consumidos internamente. Apesar dessa força produtiva, propostas de regulamentação da cannabis medicinal têm negligenciado esse setor, que reúne saberes tradicionais e potencial produtivo descentralizado.

Modelos associativos, como os já observados em outros países latino-americanos, demonstram que é possível aliar responsabilidade técnica, cultivo artesanal e rastreabilidade a um modelo sustentável e de baixo custo. A ausência da agricultura familiar no debate atual representa uma perda estratégica para a construção de um modelo soberano e inclusivo.

📌 Modelos de regulação da cannabis medicinal na América Latina

País Modelo Destaque
Uruguai Monopólio estatal Venda em farmácias e clubes regulamentados
Colômbia Licenciamento comunitário Autorizações judiciais para cultivo por associações
Argentina Saúde pública + cultivo Distribuição gratuita e legalização associativa
Brasil Judicializado e restritivo Autorizações individuais, repressão a coletivos

Fontes e Referências

  • Observatório Latino-Americano de Políticas de Drogas – plataformadrogas.org
  • Revista Cáñamo – América Latina: caminhos para a cannabis medicinal
  • ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária: www.gov.br/anvisa
  • Lei nº 27.350 (Argentina) – Uso medicinal da cannabis
  • Projeto de Lei 399/2015 (Brasil) – Regulamentação da Cannabis Medicinal
  • Entrevistas com lideranças comunitárias e associações de cannabis medicinal na Bolívia, Colômbia e Uruguai (2023-2025)

Esta publicação integra a série especial BRISANEWS – Justiça & Cidadania e segue os princípios do Plano AMTNX, promovendo informação de interesse público sobre saúde, direitos e soberania popular.

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